NUNO HORTA ANIMALIA

Nuno Horta

Nuno Horta regressa, em Animalia, aos seus estranhos personagens mascarados, aglutinadores do belo e do perturbador, em fotografias que se tornam inevitáveis ímanes visuais para um olhar impossível de ficar indiferente. Com o terrorífico novamente sugerido, em preto e dourado, de poses rígidas, numa selva urbana fantasiada, a presença destes seres misteriosos, agentes glamorosos do medo, é ao mesmo tempo agressiva e sedutora. Espécie de semicentauros invertidos, de corpo antropomórfico e cabeça animalesca, poderiam transportar-nos para o ambiente na mansão da derradeira película de Stanley Kubrick, o poderoso e inesquecível De olhos bem fechados.

Esta fauna mitológica alternativa evoca um imaginário de fábulas de terror nas quais os animais se transfiguram para a morfologia humana, como que disputando um domínio sobre a natureza, uma guerra que se iniciou nos primórdios da criação. Mas o mais interessante neste exercício é talvez a forma como a máscara tende a desaparecer, fundindo-se no conjunto, ganhando vida no todo. Estes seres não são pessoas mascaradas, são entidades híbridas criadas pela mente e saídas de pesadelos de infância. Raposa, lobo, cabra, porco, tigre, veado. Ou o Corvo de Allan Poe. Ou Moby Dick, a baleia enfurecida de Melville. Ou o Triunfo do Porcos, de Orwell, metáfora maior de uma sociedade impiedosa.

Sérgio Currais, Outubro 2015

Nuno Horta
Nuno Horta
Nuno Horta
Nuno Horta
Nuno Horta
Nuno Horta



A objectiva de Nuno Horta aspira à comoção dos sentidos, à comunhão da fotografia retratista com paixões de um quotidiano que se mascara, inventando e, quiçá, reinterpretando saberes e ambições que não transcendem o Ser, antes o aprisionam em humanidade díspar entre si, em vez de os acutilar nos seus anseios mais primários: o desejo que se mistifica e animaliza como em metamorfoses que nos confortam e nos permitem o essencial dos sentidos: o Prazer.

No entanto, colore a negro – como preto fecundo do lodo deposto pelas águas do Nilo – cenários de peças de sensualidade mácula e/ou obscura: trevas ou a noite de todo o contentamento como o pigmento de Johann Conrad Dippel.
Verdade ou pecado?

Fique o espectador ante estes flashes, saboreando a abundância animália ou as tentações de Antão ou a luxúria humana ou simplesmente a beleza e a exuberância do Ser e do sermos! A Natureza na sua sublime Arte. O transcendente no real quotidiano em Leibovitz ou Nan Goldin; o transcendente numa encenada estética artística em Witkin ou Saudek; o transcendente do real encenado numa estética artística cerebral e empírica em fotografias de Nuno Horta, num palco que também é vida e quotidiano.

Nesta colecção Animália, Nuno Horta surpreende-nos por uma atitude cénica mais simples, traduzindo uma maturidade nos temas que interpreta, decifra e exprime na sua acção fotográfica – como resultado, fotografias auto interpretativas – ao essencial, enfoque para metáforas, parábolas e mistificações como narração alegórica que traduz a devoção pelo corpo, pelo humano, pelo mito, envolvido num preceito moral que cruza, em penumbra, o Homem e a Mulher, escudados do próprio de si, dos seus devaneios ou anseios, por zoomorfoses. Pecado versus virtude ou o seu contrário? – Na virtude o pecado omisso! – Deus ou o Demónio; o prazer ou a abstinência; a abundância ou a escassez; o Amor ou a ausência; o desejo ou a fraude; a Vida ou a Morte; o ser ou o não ser; ou, simplesmente, o sonegar ao Ser Humano da face, conferindo-lhe símbolos e mitos que o resgatam das malhas de uma qualquer condenação mundana, outorgando-lhe o direito de momentos, apenas e tanto, de animalidade, urbe ou rural, mas sempre defendidos, esses momentos, por caprichos de uma natureza extra-humana, permissiva e lasciva, para uma Alma Pura, que se resgata pelo sacrifício animal, tal Dido por Eneias, Gilgamesh por Enkidu, Pedro por Inês, ou Eu – anónimo – por Ti – ninguém ou ausência de identidade. Em última instância, infra-humana!

A máscara dourada como maçãs de Hipómenes para seduzir Atalanta e resgatar o seu Amor, cumprindo-se o desejo de posse pela corrida que se vence: suor, cansaço e, de novo, o luxo perpectuado pelo ouro que nos inebria e entontece os sentidos. Tal macho ou fêmea ou os contrários ou os mesmos: trocas e selos de cumplicidade assumida e rejeitada, num lado a lado, nada ingénuo ou desprovido de sentidos reflectidos.

Esta colecção não é ingénua; não é apenas provocadora; também é erótica, estimulante, sedutora e sensualmente sensitiva para olhos de Alma Pura. Para gente que se assume sem tabus de mediocridade infame para o ser animal de que somos feitos ou criados. Matéria negra que precede a Luz. Simbólica do Apocalipse ou Fiat Lux como precedência cromática da Criação. Génese e fruição de uma fecundidade artística como nuvens escuras que fecundarão a Terra, como elemento fecundado caracterizada pelo supremo dom de gerar: The Wolf & the Fox; The Fox & the Wolf; The Goat; The Pig; The Tiger; The Deer!
Masked Ball!

Ao ouvir Jocelyn Pook, Flood, reporto-me a máscaras que interpretam o duplo papel: vendar / desvendar. Ou seja, entendo a necessidade, na urbe actual, do Ser Humano se confrontar com mitos passados que se reinterpretam, numa actualidade mediática, como formas de estar, pensar e sentir de cada individuo como demiurgo, que, possuindo os seus anseios, promove a sua atuação no palco da Vida e do quotidiano.

Parafraseando Susan Sontag, in Olhando o Sofrimento dos Outros, “As intenções do fotógrafo não determinam o sentido da fotografia, que terá a sua própria carreira, impulsionada pelas paixões e fidelidades das diferentes comunidades que a utilizem”. Assim acontece com os símbolos ou parábolas, neste caso, fotografias como narração alegórica que envolve um preceito moral: Animália como função de ilustrar o desejo e a cumplicidade numa linguagem metafórica de criação do prazer e a respectiva recriação. Mas sem idolatria. Antes a linguagem de humanidade!

Animália! Tripúdio de prelúdio?
Sob a égide do ouro: o Lobo, luxúria e ambição, animal de Poder, com enorme capacidade para amar, mas com um carácter individualista e solitário; a Raposa, astuta e demónio do fogo e com capacidades únicas de sedução, na China são animais voluptuosos (curiosidade: testículos de raposa macerados no vinho eram considerados um elixir infalível de amor) e na Ásia são símbolos eróticos; o Bode, associado à luxúria e à fertilidade, está ligado a Pã, Dionísio e Zeus; o Porco, para católicos é símbolo da tentação e luxúria, impuro para judeus e muçulmanos, mas é associado também à fertilidade e à prosperidade no Antigo Egipto e no Norte da Europa; o Tigre, impetuoso e apaixonado, representa a beleza, a vaidade e a astúcia; o Veado, emblema solar de fertilidade, com forte simbolismo divino, com as suas hastes representam a Árvore da Vida e a regeneração, como fervor sexual figura ao lado de Afrodite e Adónis. Acabo esta minha dissertação sobre este conjunto fotográfico de obras que compõem a colecção Animália, de Nuno Horta, com a onomatopeia:
PUM! – de olhos bem abertos porque somos animais... e porque não? – PUM! – caçador ou presa? – PUM! – porque cair vale a pena! PUM! Animália! PUM!

Basta pum basta!!! Viva o Amor, viva! PIM!

Vieira Duque, Outubro 2015